Nesta terça-feira, 28 de outubro, o Núncio Apóstolico no Brasil, Dom Giambattista Diquattro, apresentou um discurso inspirador sobre comunicação no Encontro dos Padres em Missão Digital, promovido pela CNBB, na Casa Dom Luciano, em Brasília (DF).
Leia na íntegra a reflexão:
Reflexão do Núncio Apostólico
Encontro dos Comunicadores Sociais – CNBB
Brasília, 28 de outubro de 2025
Entre os inúmeros nomes que inspiram a comunicação, deixarei por um momento oculto o meu nome de referência. É um comunicador que não possuía canais de televisão, não dispunha de plataformas digitais, não lançava mensagens na rede, mas atravessou vinte séculos sem que a sua Palavra perdesse frescura. A sua linguagem não se serviu da tecnologia, mas de um meio infinitamente mais poderoso: o Espírito da verdade.
Este Espírito, que segundo o Evangelho “vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar tudo o que eu vos disse”, é a força comunicativa que não depende de dispositivos, mas do coração transformado. O Espírito é o primeiro e mais perfeito meio de comunicação, porque não transmite dados, mas graça; não cria conexões, mas comunhão. Nele, a Palavra se torna evento, a verdade se encarna e a mensagem não permanece um conteúdo a ser difundido, mas uma vida a ser compartilhada.
Eis então revelada a minha influência de referência: Jesus Cristo. Ele não deixou escritos, não fundou um jornal, não construiu uma “marca”. No entanto, a sua voz nunca se apagou, porque escolheu como canal de comunicação o coração humano, reacendido pelo Espírito. “Eu estou com vocês todos os dias” — estas palavras, lembradas pelo Santo Padre Leão XIV na Exortação Apostólica Dilexi Te, ressoam como o paradigma da comunicação cristã: uma presença que acompanha, um amor que não abandona, uma Palavra que permanece no tempo.
Este Espírito foi entregue à Igreja, que desde então é chamada a guardar e transmitir a Boa Nova com a mesma força interior com que Cristo falava às multidões. Na Dilexi Te, o Papa afirma que “a Igreja, se quer ser de Cristo, deve ser Igreja das Bem-aventuranças, Igreja que dá espaço aos pequenos e caminha pobre com os pobres”. É a mesma lógica comunicativa de Jesus: não o poder das palavras, mas a verdade do amor. A informação que salva não é aquela que ocupa as telas, mas aquela que habita as consciências.
Quando os santos inalaram esse sopro divino em suas vidas, eles próprios se tornaram canais de comunicação eterna. Sem microfones, sem redes sociais, eles marcaram a história. Leão XIV lembra que “os Padres da Igreja reconheciam nos pobres um caminho privilegiado de acesso a Deus, uma maneira especial de encontrá-lo”: é daí que nasce seu poder comunicativo. São Francisco, pobre entre os pobres, não tinha meios, mas seu estilo de vida se tornou mensagem. São João Crisóstomo comunicava do púlpito com a força da justiça, Santo Agostinho com a clareza da caridade, São Lourenço com a linguagem ardente do martírio. Todos esses homens foram “influenciadores” da verdade porque sua comunicação coincidia com sua santidade.
A Exortação Dilexi Te nos mostra como a comunicação eclesial nunca é neutra: “Não estamos no horizonte da caridade, mas da Revelação: o contato com quem não tem poder e grandeza é uma forma fundamental de encontro com o Senhor da história”. Esta é a gramática do anúncio cristão. O comunicador católico não transmite simples notícias, mas participa da revelação do rosto de Cristo nos pobres, nos sofredores, nos esquecidos.
Todo comunicador social que trabalha na Igreja é chamado, portanto, a deixar-se evangelizar pelo que comunica. A verdade que anuncia deve refletir-se no tom, no respeito, na maneira como olha para o outro. O Espírito não se serve daqueles que falam de si mesmos, mas daqueles que tornam Cristo visível. O Santo Padre Leão XIV, com a clareza que lhe é própria, escreveu que “o amor de Deus se revela em sua descida e vinda entre nós para nos libertar da escravidão, dos medos, do pecado e do poder da morte”. Esta frase resume o sentido mais profundo da comunicação: descer, aproximar-se, libertar com a palavra e com a vida.
Em nosso tempo, em que as palavras se multiplicam e o silêncio se torna raro, o comunicador católico tem uma vocação contrária à corrente: não preencher o espaço, mas transfigurá-lo; não manipular a emoção, mas educar a escuta; não buscar visibilidade, mas testemunhar credibilidade. O próprio Jesus, quando falava, tocava o coração do homem porque Ele era a mensagem. Quem o ouvia percebia que por trás de suas palavras agia o Espírito da verdade, que convence, ilumina, consola.
Leão XIV, na mesma Dilexi Te, lembra que “a Igreja é plenamente esposa do Senhor somente quando é também irmã dos pobres”. Esta afirmação tem um imenso alcance comunicativo: a Igreja comunica Cristo quando vive como Ele, quando se despoja de si mesma para se tornar palavra de compaixão. Sempre que um jornalista católico relata a dor com respeito, a esperança com pudor, a fé com humildade, participa dessa santidade comunicativa.
Quem comunica em nome da Igreja deve lembrar que o amor, para ser credível, deve se traduzir em justiça. E a informação, para ser evangélica, deve ter a transparência da luz. “No coração de Deus — escreve ainda Leão XIV — há um lugar preferencial para os pobres […]. Todo o caminho da nossa redenção é marcado pelos pobres”. Os pobres, na linguagem da comunicação, são os que não são ouvidos, os que não são representados, os excluídos da narrativa. Dar-lhes voz é o primeiro ato de fidelidade ao Espírito da verdade.
Ser comunicadores na Igreja significa, portanto, ser discípulos. Como os primeiros apóstolos, somos enviados não para “fazer notícia”, mas para fazer ressoar o Evangelho com a nossa vida. A eficácia da mensagem depende da medida em que o Espírito habita em nós. Quando falamos de Jesus sem viver Nele, a palavra se esvazia. Mas quando nossa palavra nasce da oração, do silêncio e da caridade, então o próprio Espírito a faz circular, alcançando ouvidos e corações que nunca conheceremos.
Leão XIV nos ensina que a verdadeira comunicação é serviço. Os santos são a prova disso: São Camillo de Lellis servia aos doentes “com o afeto que uma mãe tem por seu único filho doente”. São Basílio Magno construía hospitais e escolas para os pobres como lugares de verdade compartilhada. São Bento abria os mosteiros aos peregrinos e mendigos, porque “é neles que se acolhe mais a Cristo”. Todos eles comunicaram a Boa Nova com as mãos, com o tempo, com o coração, e suas palavras permanecem porque foram vividas.
Caros comunicadores católicos do Brasil, vocês atuam em um país onde a pluralidade de vozes é um dom e um desafio. Em meio a esse coro, a tarefa da comunicação eclesial não é gritar mais alto, mas falar com mais luz. O Brasil conhece a eloquência da simplicidade evangélica, aquela que nasce do sorriso do pobre, do canto popular, do silêncio orante da selva amazônica. Aqui a Igreja deve ser “voz do Espírito” que une, que consola, que promove o bem comum.
Recordemos o que afirma a Dilexi Te: “A caridade não é um caminho opcional, mas o critério do verdadeiro culto”. Da mesma forma, a comunicação católica não é um setor da pastoral, mas o próprio fôlego da missão. Comunicar Cristo significa adorá-lo com a vida e fazer perceber, mesmo em um post ou em um título, sua ternura e sua verdade.
Sempre que usamos um microfone, um smartphone ou uma câmera, podemos nos perguntar: de onde partem minhas palavras? Do medo de ser esquecido ou do desejo de que Cristo seja conhecido? Da necessidade de visibilidade ou do amor que se doa? Se a resposta for a segunda, então o Espírito da verdade já está em ação, e nossa voz se torna eco do Verbo.
A maior influência não é aquela que move as massas, mas aquela que converte os corações. Os santos, como afirma Leão XIV, são “aqueles que, no apelo a reconhecê-lo nos pobres e nos sofredores, se conformam aos sentimentos e às escolhas mais profundas de Cristo”. É por isso que sua marca atravessa os séculos: porque comunicaram a verdade com a vida.
Contra toda forma efêmera de ser “influenciador”, proponho outra forma de influência: enxertar-nos na santidade da Igreja. Ser parte viva desse corpo que continua a comunicar Cristo com a voz da misericórdia, com a coerência da justiça, com a força da esperança. A Igreja não busca visibilidade: ela irradia. Ela não se autopromove: ela serve. Ela não segue as tendências: ela as transfigurar.
Deixem que a vossa profissão se torne vocação, que a técnica se torne ministério, que a palavra se torne caridade. Assim, o vosso trabalho se tornará uma liturgia cotidiana, uma forma de evangelização que fala a linguagem do Espírito. “O Senhor deixou bem claro — conclui Leão XIV — que a santidade não pode ser compreendida nem vivida sem levar em conta essas suas exigências”. Isso vale para a comunicação: ou é caminho de santidade ou é ruído.
O mundo digital mudará muitas vezes ainda; a verdade do Evangelho, nunca. Nela a comunicação encontra sua fonte e seu cumprimento. Quem fala em nome de Cristo não teme o silêncio, porque sabe que a Palavra age mesmo quando cala. E quem vive desse Espírito torna-se, como os santos, um sinal que não passa.
Desejo que as suas palavras sejam sempre perfume de verdade, eco de misericórdia, e que a sua profissão se torne um ato de amor para com a Igreja e para com o mundo. Porque o único e verdadeiro “influenciador” que nunca se impõe é sempre Ele: Jesus, Palavra feita carne, que nos disse — e continua a dizer — “Eu te amei”.
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